quarta-feira, 24 de março de 2010

Crônica de um sábado infeliz

Era sábado à noite.
Fazia frio, mas não chovia. Tanto que muitas pessoas andavam pelas ruas.
Não me lembro que horas eram. Talvez, já passasse das dez, porque muitos restaurantes já fechavam. Era comum naquela cidade.
Me arrisquei a ir a algum lugar para ouvir música, distrair-me um pouco.
Desisti e parei num dos poucos lugares que ainda tinha as portas abertas.
Apenas uma garota ocupava uma das mesas do lugar. Ela já estava prestes a terminar seu prato. Mas comia com tanta lentidão, que parecia não querer sair daquele lugar jamais.
Olhei num dos murais do restaurante e pedi o mais básico.
Em poucos minutos, tinha o lanche que havia pedido nas mãos.
Sentei na mesa de frente pra garota, que parecia cada vez mais absorta nos seus devaneios mais profundos.
Na terceira mordida, deixei o lanche de lado. Não era ruim, mas estava longe de ser bom. Continuava apenas com o refrigerante.
A garota olhou na minha direção, e eu, dei um leve aceno com a cabeça, ao qual ela não respondeu.
Parecia angustiada. Com medo de algo que nem ela sabia o que era.
Já tinha terminado o lanche. Ficara pensando por minutos. Olhava pra cima. Pra baixo.
Perguntei se estava tudo bem com ela. Ela disse que não.
Eu disse que ela parecia preocupada. E ela disse que não também, que só estava cansada.
Então, ela se levantou e pegou um café. Bebeu-o com certa rapidez. Não trocamos mais palavras.
Num súbito movimento, ela se levantou e foi embora.
Mais três pessoas haviam entrado no restaurante.
Todos riam.
Pareciam felizes.
Menos aquela garota. E o dono do lugar.
Quando terminei o refrigerante, pensei em voltar a procurar um lugar para ouvir música.
Mas tão logo pensei, desisti.
E pedi um café.
Quem me chamava a atenção naquela hora, era o dono do lugar. Também estava triste.
Eu ouvira por cima, uma conversa de que naquele mesmo dia, ele havia perdido uma boa quantidade de dinheiro com apostas.
Puxei assunto. E ele logo me deu atenção.
Sentou-se na mesa em que a garota estivera minutos atrás.
Me disse que havia perdido muito dinheiro naquele dia. E que estava angustiado e nem trabalhar conseguia.
Vivia sozinho na cidade. Era paquistanês, já havia até trabalhado para uma importante autoridade do seu país natal. E há um bom tempo, morava ali.
Tinha juntado dinheiro e comprado o restaurante.
Não tinha filhos, família, mulher.
Só. Era assim que vivia. E se sentia mal por isso.
Apostava como distração. Que logo, se tornou um vício.
Já tinha perdido dinheiro de todas as maneiras possíveis. E se conformava cada vez mais com aquilo.
Conhecera certa garota na internet. Do leste europeu. E ela, lhe prometera que moraria com ele. Mas, que pra isso, precisava de um pouco de dinheiro. Pra acertar as coisas.
Dinheiro não era problema pra ele.
E ele dera.
Não só o dinheiro.
Dera sua confiança, sua esperança, sua ilusão.
Perguntei onde estava a garota e ele disse, que ela ainda não havia conseguido ir.
Mas que em breve, iria. Se tudo desse certo.
E se ele enviasse mais um pouco de dinheiro para a viagem.
Perguntei-lhe se ele daria o dinheiro.
Ele deu de ombros. E me devolveu a pergunta, “o que posso fazer”?
Olhei no relógio e vi que precisava ir. Logo, o metrô pararia suas atividades.
Tentei lhe dar uns conselhos. Disse para ter cuidados com o jogo. E com as mulheres.
Ele sorriu e me disse que sabia disso, só que já não conseguia mais.
Desejei-lhe sorte, recebendo o mesmo voto da parte dele.
Saí do restaurante pensativo.
Naquele momento, chovia levemente.
As garotas que estavam na calçada, corriam para se proteger.
Atravessei a rua, em direção ao metrô. Quando ele chegou, entrei. E deixei pra trás, aqueles dois seres infelizes.

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