domingo, 17 de outubro de 2010

O trem nosso de cada dia - Parte II (ou o dia em que eu fui derrotado pela porta "quase assassina")


Adolescente você sabe como é né? Deixa tudo pra última hora, não se preocupa muito com horário e sempre acha que dá tempo de fazer tudo. Eu posso garantir que era um adolescente típico (ou sou ainda, sei lá).
Naquele fatídico dia, eu teria prova no curso de inglês, logo depois do colégio. Mas, depois da aula, meus amigos decidiram bater uma bolinha e eu não podia ficar de fora.
- Vamô ae!
Eu olhava no relógio e pensava, "tá cedo, só mais um joguinho. Mais um pouquinho..."
Quando eu me dei conta, já estava muito atrasado. Corri e peguei o ônibus (que era bem rápido, graças a Deus) e cheguei à estação de trem.

Pois, quando eu me aproximava da catraca, ouvi o apito. Era ele. Inconfundível. A movimentação na plataforma começara. E ele vinha rápido, voraz, determinado a não me dar tempo de alcançá-lo. Mas eu não desistiria tão fácil.
Subi as escadas que me levavam à plataforma e quando cheguei lá em cima, as portas do trem ainda estavam abertas. Logo, com um certo ar de arrogância, típico da adolescência, pensei, "ah, ganhei de novo!"
E foi então que eu ouvi o apito. A porta ia se fechar.

Todo mundo já sentiu aquela sensação de correr, correr, e quando chega na plataforma, a porta fecha na sua cara? E todo mundo dentro do trem, fica te olhando...só falta acenar! Devem rir por dentro, "Hahaha, bem feito, ninguém mandou chegar atrasado."
Não, eu não faço isso. Com muita frequência.
Tá bom, eu faço isso, sempre.
Mas, sigamos.

Era justamente esse tipo de reação que eu queria evitar! Chacotas, humilhações...

Num ímpeto de sobrevivência, corri e me joguei em direção à porta que se fechava impiedosamente, como aqueles muros que se fecham nos filmes do 007 ou do Indiana Jones.
Mas a porta não deixaria barato. Assim que eu entrei, fui arremessado pra trás com muita força. A minha mochila havia ficado presa na porta. Todos no vagão se assustaram.
Eu até imagino a reação das pessoas: -
Olha, quanta coragem, que bravura desse garoto!
Que nada! A cena deve ter sido rídicula!
Desconcertado, ruborizado e querendo fugir pela janela (se fosse na linha Calmon Viana, até dava), tentei desviar dos olhares que me fuzilavam. Alguns poucos perguntaram: "E aí, se machucou? Tá tudo bem?
E eu já sem graça e vontade nenhuma de responder, dizia, "sim, tudo bem sim."

E por 15 minutos, que pra mim, foram os mais longos da minha vida, eu ouvi:
- É, já vi muita gente morrer assim! Isso é um perigo!
- Esses jovens, vivem impacientes, depois sofrem acidentes e os pais é que sofrem.

Jesusss! Eu tava bem! Eu estava inteiro, segurando no apoio do trem, sem nenhum arranhão!

Mas as senhoras continuavam:
- Essas pessoas deveriam ter mais cuidado!
- Deviam ter paciência.

Quando cheguei ao meu destino, a porta nem tinha aberto completamente, eu já havia escapado daquele tribunal. Tribunal, porque aquilo aí, parecia mais "o caso do garoto preso na porta do trem". E só havia um réu ali: eu. Acusadores? Um monte.

E naquele dia, eu não tinha como mentir. Não dava para fugir da realidade. A porta do trem tinha me vencido.

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